segunda-feira, 13 de junho de 2016

Como um Final mal Planejado Arruinou uma Novela Quase Perfeita - parte 2

Continuando a postagem de uma das novelas que mais curti na vida, seguimos aqui com a análise dos personagens.

Alícia
Alícia, de longe, é a vilã mais chata da novela. Aliás, acho engraçado que a novela só seja composta por personagens vilãs; os vilãos são menos frequentes e bem mais sutis.
Mas voltando a Alícia, essa personagem não tem sentido. Todos os furos de roteiro a envolvem. Sua primeira motivação, era apenas magoar a irmã Candy. Alícia culpava a irmã pelo acidente que sofrera e que a impedia de dançar.
Depois, sua motivação era permanecer com o marido, que ela afirmava amar. Teria sido interessante se na reta final da novela ela simplesmente não tivesse ido embora com outro amante. No fim, a personagem era apenas inconstante.
Tramas que poderiam ter tornado a personagem minimamente interessante, como o fato de ser estéril, a sua tentativa de suicídio, foram jogadas e esquecidas na novela. Alícia era a vilã por vilania, sem senso e sem fundamento. Teve o final mais mal construído e lamentável. Foi a pior personagem trabalhada na novela.

Crianças e adolescentes
Nunca, jamais, nevermore uma novela na vida terá personagens infantis e jovens tão incríveis como esta novela.
Tivemos um grupo heterogêneo de crianças, brincando de todo o tipo de coisas. Crianças lidando de forma diferente com frustrações, crianças sendo manipuladas e crianças aceitando.
O elenco infantil dessa novela e a plot das crianças foi uma das coisas mais incríveis que vi.
Os adolescentes, idem. Tontas foi a primeira novela que eu vi tratar de AIDS na faixa dos 17 anos e como um jovem lida ao descobrir o diagnóstico. Todas as vezes que Charlie e Lucia apareciam, meu coração se aquecia.
A respeito destes dois, só lamento profundamente que o final de Lucia tenha sido tão pouco empoderador. Daria tudo para ela ter 18 anos e ter mandado o pai se ferrar enquanto ia para a Alemanha com o namorado, como ela gostaria. Achei fraco a novela simplesmente separar os dois porque seu pai não permitiu que ela viajasse. Santiago em toda a novela controla a adolescente e eu queria que o ato final dessa jovem fosse se rebelar e conquistar um objetivo.

Chairo e Eduardo
De longe o casal que eu mais odiei na novela.
Chairo é uma personagem tão desempoderada que o final dela me soou amargo. Ela passa o primeiro terço da novela sendo traída e sendo uma dona de casa resignada, que nem sabia quanto o marido ganhava. O segundo terço, ela começa a trabalhar, começa a questionar as traições do marido mas volta para ele depois de pouco tempo. E, no terceiro ato, quando pensamos que ela vai se libertar, se separar do marido e construir sua carreira, ela... volta com ele no último capítulo.
Eduardo é o típico homem machista que a novela combate, mas trata com condescendência. Ele é um babaca, é retratado como um babaca, mas a novela perde a mão quando ele, após chantagear a mulher para que ela largue a faculdade, a traia de novo e a acuse de sair com o professor, consegue recuperá-la na audiência do divórcio. Ele é escroto, odioso, machista e eu lamentei mesmo que a novela não ousasse. Lamentei. Vejo Chairo sendo traída, chantageada e tendo que lutar para ter um mínimo de autonomia.

Hortência
A coadjuvante que ganhou meu coração.
Hortência era uma personagem criada para preencher tempo de novela e ser um alívio cômico. Funcionou e foi além disso: foi a única personagem que eu efetivamente adorei e que lamentei não ter visto ser desenvolvida.
Hortência vive do amor platônico pelo seu chefe exatamente porque teme se relacionar com homens viáveis. Isso fica claro quando ela sai com um homem mais jovem, quer se relacionar com ele, mas fica com medo. Achei triste que essa trama não tenha sido retomada. O casal teria sido incrível, mas né, vamos encher o tempo de tela criando uma plot risível na qual um personagem sem sentido busca seu pai desaparecido. Affe.
Hortência somos nós amigos. Imperfeita, descarada, engraçada e acima de tudo, humana. Achei fantástico ela ter assumido uma responsabilidade que não era dela para garantir que o casal principal ficassem juntos. Achei a personagem tão bem construída que ansiei por mais tempo de tela. Gargalhava com ela e chorei com ela muitas vezes também. Sem dúvida a personagem que mais sentirei falta.

Os Compadres
Não precisavam existir. Vejam bem, amo Luis Manuel Ávila desde seu papel na La Fea mas Bella, mas por favor, esse papel dele nesta novela só serviu para encher linguiça. E este ator merece mais.

Lulu
Meu maior problema com esta novela.
Lulu é a gorda da novela. Inicialmente, seu peso era indiferente. Depois, ela virou a gorda que quer arrumar namorado. Depois, ameaçaram construir uma crítica com relação a gordofobia e depois tudo foi abandonado para "ai amiga,  você sofre mas precisa emagrecer".
Lulu serviu para ser saco de pancadas de todo mundo. Foi enganada, iludida, ofendida e ainda foi culpabilizada por isso. O que me mata é que a Christina Pastor é linda, não está tão acima do peso e mesmo no mundo padrão da tv, ela poderia ser uma gorda pegadora. Mas ao menos uma coisa: por mais que a personagem parta meu coração, ela não é a Perséfone.

Os Casais da Terceira Idade
Outra coisa que essa novela fez de forma maravilhosa.
Quando falo em casais da terceira idade, falo em casais com 60 anos em média, pegando gente de 60 anos em média.
Quando falo em casais, falo de casais se pegando, discutindo o uso de viagra, de "brochar", e do direito que eles tem de se relacionar, mesmo com a discordância dos filhos adultos.
Também é nesse elenco que vemos uma ex-mulher estando numa boa com o fato do ex-marido estar se relacionando com a consogra. E todos morando na mesma casa, porque a vida não precisa ser feita de términos doloridos e abruptos.
Tem cena de beijo, tem cenas de sexo próprio para o horário, tem papos quentes, tem de tudo.
Enfim, amo tanto os casais quanto amo os adolescentes dessa novela.




Não Existe Homofobia

Se um gay apanha, provavelmente foi espancado porque deu em cima do cara hétero (aka mereceu). Ou seja, não é porque ele é viado, é porque ele provocou, Se um gay morre, provavelmente morreu porque os caras eram terroristas, doentes, vermes... ou porque deu em cima dos caras (aka, mereceu). Se foi expulso de casa, é porque não respeitou a família, não por conta de ser gay. Afinal, os filhos devem cumprir as regras da casa e suprimir a sua sexualidade, por mais imbecil que isso seja.
Homofobia é palavra inventada, não existe. Eu nunca vi gay apanhar por ser gay de graça, ou fez viadagem ou os caras são loucos. Homem hétero, de bem, não é homofóbico. Ei, não tenho nada contra gays, tenho até amigos que são. Só não gosto que se beijem na minha frente, se forem se pegar, que façam isso dentro de casa, né?
Como vou explicar para meu filho sobre dois homens se beijando? Isso não é homofobia. Olha só, sinto tesão em lésbica, adoro ver elas se pegando, como vou ser homofóbico? Tudo bando de vitimista. Morreu? Foi exceção. 50 morreram? Foi o ISIS. Não tenho culpa, eu, o homem cis, branco hétero. Não foi meu ideal de masculinidade que matou essas pessoas, foram os outros.
Não existe homofobia, vou repetir até cansar. Vou mentir para mim mesmo, vou tornar estas pessoas invisíveis, vou fingir que a homossexualidade não existe, vou rezar pela sua alma, vou tentar te converter e depois vou te matar. Mas não existe homofobia. E vou ourar por você, mesmo que eu seja a causa de sua morte.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Como um Final mal Planejado Arruinou uma Novela Quase Perfeita - parte 1


Não é segredo para ninguém que eu amo profundamente novelas mexicanas. E tampouco é segredo o quanto que eu gostei da novela Las Tontas no Van al Cielo.

A novela foi muito transgressora. Abordou temas como homofobia de um filho para seu pai gay, AIDS na adolescência, violência doméstica, alienação parental, famílias não nucleares e empoderamento feminino. Ela tratou a homossexualidade e a transexualidade como coisas naturais, sem falso moralismo. A novela incentivou a criação de institutos de mulheres para mulheres, criticou a indústria da cirurgia plástica. Ela foi incrível do começo ao quase fim. Pena que na reta final, mais precisamente na última semana, a coisa desandou e muito do discurso se perdeu para as plots clichês de sempre.

Resolvi separar por núcleos de personagens, porque acho que tudo merece um destaque. Esse post será imenso, provavelmente terão outros, mas como ninguém lê isso aqui, acho que não tem problemas.

Candy e Santiago (casal principal)
Candy e Santiago foram um casal incrivelmente bem construído. Ao contrário das novelas onde o casal protagonista namora-termina-volta em ciclos, aqui eles só engataram o romance no final. Durante toda a plot da novela, a tensão sexual existe, a estima também mas todos os problemas que circundam o casal os impede de ficar juntos.
Nada mais normal que uma vez que as coisas engatassem, o relacionamento fosse quase que instantaneamente para algo sério. No tempo da plot da novela, eles se conhecem há dois anos, então não achei forçado a evolução do namoro para casamento em menos de três meses. Mesmo sem terem um longo namoro, a novela desenvolveu o relacionamento dos dois a ponto deles brincarem juntos, rirem juntos, desenvolverem as mesmas prioridades. Foi natural.
O que arruinou tudo foi um "término" na última semana por motivos bestas de ciúme. Além de ter quebrado a plot do casal, houve uma desconstrução do personagem do Santiago, transformando o mesmo de um cara legal para um idiota ciumento. Aparentemente, encontrar seu verdadeiro amor te dá o direito de ser um completo idiota. O casamento dos dois, me deixou com um gosto amargo de que, se víssemos a continuação do casal, o resultado seria um divórcio em menos de dois anos.

Patrício
Patrício é um personagem que causa amor e ódio ao longo da novela. O personagem é cheio de defeitos: traiu a noiva com a irmã um dia antes do casamento, traiu a noiva com uma personagem durante o noivado e, quando confrontado com suas idiotices, achou que não era tão ruim assim.
Não que Candy, protagonista, fosse um anjo de candura. A personagem forjou sua própria morte para não ter que lidar com o cara e a família, e isso foi sua atitude mais covarde. Agora o cara achar que tudo bem trair, ter filho com outra mulher e a esposa tem de ficar de boinhas? Não.
Somente quando o personagem evolui, reconhecendo suas falhas e se aproximando dos filhos, é que conhecemos sua melhor faceta. Patrício é um verdadeiro pai e acho sensacional a novela ter tantos personagens masculinos exercendo, de fato, a paternidade. Palmas para a cena onde ele perde um negócio porque levou um bebê para a reunião. Foi incrível ter visto uma novela mostrar como filhos são indesejados no mundo corporativo.
De todos os personagens, Patrício é o único que teve um final digno. Não superou a perda de seu amor, mas se propôs a recomeçar a sua vida.

Soledad e Raul
De longe meus personagens favoritos e lamentei muito não terem dado mais tempo de tela para ambos.
Soledad e Raul foi um casal formado a pressas no final da novela. Ambos são imperfeitos ao extremo: Soledad luta contra a sua homofobia, que a faz discriminar gays ainda que não deseje e Raul, mesmo sendo um cara legal, apoiou sua irmã em sua loucura, apenas por entender que seu melhor amigo merecia sofrer pelo que havia feito a irmã passar.
O que torna ambos especiais é que ambos reconhecem suas falhas e há a desconstrução. Não bastasse isso, há uma inversão de papeis bacanas: ambos, antes de casarem, foram casados. Raul enviuvou e permaneceu em abstinência até casar novamente, apesar de mentir aos amigos jurando ser o pegador. Soledad, além de ter traído o então namorado antes de casar, foi amante de Patrício durante um período da novela e é visivelmente uma pessoa sexualmente ativa e bem resolvida.
O casal foi tão interessante na construção da família não nuclear que cheguei a me arrepiar. Foi bonito de ver Raul e Patrício, ex-amante de Soledad e pai de seu filho, se tornarem amigos. Foi legal ver a criança amando a todos, seu pai, seu padrasto, a roonmate lésbica que morava com sua mãe. É o mundo vivendo e convivendo com a diversidade. Precisamos de mais disso.

Marisa
Não há como rejeitar o final de Marisa na novela. Isso porque Marisa é fruto simples de toda a opressão que ela sofreu em sua vida.
Primeiramente, a personagem faz um aborto aos 15 anos, em razão de uma gravidez indesejada. Por ter feito um aborto ilegal, ela teve problemas no útero e por anos achou que não engravidaria mais. Foi abandonada pelo namorado e criticada pelo irmão, que a condenou pelo procedimento.
Ao se envolver com Santiago, Marisa se submete a traições, descaso e desconsideração do noivo. Acreditando que isso se dava pelo fato de não poder ter filhos, e não pelo fato dele não amá-la, ela engravida novamente, esperando que assim haja o casamento.
O casamento, por óbvio, não acontece e novamente a personagem deve reviver um abandono em um período difícil.
Nada, nada, nada justifica o que a personagem faz. Ela priva o filho de seu pai, dá para adoção de forma ilegal e faz isso apenas para magoar o homem que a destroçou por completo. Horrível, mas não dá para não sentir empatia com ela.
Não é a toa que a novela optou por matá-la e oferecer a redenção da personagem. Manter Marisa viva e impune é inviável. Manter ela viva e prendê-la vai na contramão de tudo que a novela pregou. Acho que o final dela era inevitável.

Paulina
Paulina era uma linda até a novela estragar com ela no último capítulo.
Ex-esposa de Santiago, a vilã o abandonou porque queria viver em Nova York e esta vida não comportava um marido e uma filha bebê.
Quando ela volta, cansada de um amante obsessivo, sua missão é arruinar o casal principal e recuperar o ex-marido.
Acho interessante que a novela jamais apontou dedos para o fato de a personagem não querer maternar. O próprio ex-marido diz que ela não é má pessoa por ter deixado a filha, ela só tinha prioridades diferentes.
A vilania de Paulina é inteligente e não é associada a falta de maternagem. Pena que estragaram a personagem fazendo ela sequestrar um bebê, Isso foi completamente desnecessário.