sexta-feira, 3 de junho de 2016

Como um Final mal Planejado Arruinou uma Novela Quase Perfeita - parte 1


Não é segredo para ninguém que eu amo profundamente novelas mexicanas. E tampouco é segredo o quanto que eu gostei da novela Las Tontas no Van al Cielo.

A novela foi muito transgressora. Abordou temas como homofobia de um filho para seu pai gay, AIDS na adolescência, violência doméstica, alienação parental, famílias não nucleares e empoderamento feminino. Ela tratou a homossexualidade e a transexualidade como coisas naturais, sem falso moralismo. A novela incentivou a criação de institutos de mulheres para mulheres, criticou a indústria da cirurgia plástica. Ela foi incrível do começo ao quase fim. Pena que na reta final, mais precisamente na última semana, a coisa desandou e muito do discurso se perdeu para as plots clichês de sempre.

Resolvi separar por núcleos de personagens, porque acho que tudo merece um destaque. Esse post será imenso, provavelmente terão outros, mas como ninguém lê isso aqui, acho que não tem problemas.

Candy e Santiago (casal principal)
Candy e Santiago foram um casal incrivelmente bem construído. Ao contrário das novelas onde o casal protagonista namora-termina-volta em ciclos, aqui eles só engataram o romance no final. Durante toda a plot da novela, a tensão sexual existe, a estima também mas todos os problemas que circundam o casal os impede de ficar juntos.
Nada mais normal que uma vez que as coisas engatassem, o relacionamento fosse quase que instantaneamente para algo sério. No tempo da plot da novela, eles se conhecem há dois anos, então não achei forçado a evolução do namoro para casamento em menos de três meses. Mesmo sem terem um longo namoro, a novela desenvolveu o relacionamento dos dois a ponto deles brincarem juntos, rirem juntos, desenvolverem as mesmas prioridades. Foi natural.
O que arruinou tudo foi um "término" na última semana por motivos bestas de ciúme. Além de ter quebrado a plot do casal, houve uma desconstrução do personagem do Santiago, transformando o mesmo de um cara legal para um idiota ciumento. Aparentemente, encontrar seu verdadeiro amor te dá o direito de ser um completo idiota. O casamento dos dois, me deixou com um gosto amargo de que, se víssemos a continuação do casal, o resultado seria um divórcio em menos de dois anos.

Patrício
Patrício é um personagem que causa amor e ódio ao longo da novela. O personagem é cheio de defeitos: traiu a noiva com a irmã um dia antes do casamento, traiu a noiva com uma personagem durante o noivado e, quando confrontado com suas idiotices, achou que não era tão ruim assim.
Não que Candy, protagonista, fosse um anjo de candura. A personagem forjou sua própria morte para não ter que lidar com o cara e a família, e isso foi sua atitude mais covarde. Agora o cara achar que tudo bem trair, ter filho com outra mulher e a esposa tem de ficar de boinhas? Não.
Somente quando o personagem evolui, reconhecendo suas falhas e se aproximando dos filhos, é que conhecemos sua melhor faceta. Patrício é um verdadeiro pai e acho sensacional a novela ter tantos personagens masculinos exercendo, de fato, a paternidade. Palmas para a cena onde ele perde um negócio porque levou um bebê para a reunião. Foi incrível ter visto uma novela mostrar como filhos são indesejados no mundo corporativo.
De todos os personagens, Patrício é o único que teve um final digno. Não superou a perda de seu amor, mas se propôs a recomeçar a sua vida.

Soledad e Raul
De longe meus personagens favoritos e lamentei muito não terem dado mais tempo de tela para ambos.
Soledad e Raul foi um casal formado a pressas no final da novela. Ambos são imperfeitos ao extremo: Soledad luta contra a sua homofobia, que a faz discriminar gays ainda que não deseje e Raul, mesmo sendo um cara legal, apoiou sua irmã em sua loucura, apenas por entender que seu melhor amigo merecia sofrer pelo que havia feito a irmã passar.
O que torna ambos especiais é que ambos reconhecem suas falhas e há a desconstrução. Não bastasse isso, há uma inversão de papeis bacanas: ambos, antes de casarem, foram casados. Raul enviuvou e permaneceu em abstinência até casar novamente, apesar de mentir aos amigos jurando ser o pegador. Soledad, além de ter traído o então namorado antes de casar, foi amante de Patrício durante um período da novela e é visivelmente uma pessoa sexualmente ativa e bem resolvida.
O casal foi tão interessante na construção da família não nuclear que cheguei a me arrepiar. Foi bonito de ver Raul e Patrício, ex-amante de Soledad e pai de seu filho, se tornarem amigos. Foi legal ver a criança amando a todos, seu pai, seu padrasto, a roonmate lésbica que morava com sua mãe. É o mundo vivendo e convivendo com a diversidade. Precisamos de mais disso.

Marisa
Não há como rejeitar o final de Marisa na novela. Isso porque Marisa é fruto simples de toda a opressão que ela sofreu em sua vida.
Primeiramente, a personagem faz um aborto aos 15 anos, em razão de uma gravidez indesejada. Por ter feito um aborto ilegal, ela teve problemas no útero e por anos achou que não engravidaria mais. Foi abandonada pelo namorado e criticada pelo irmão, que a condenou pelo procedimento.
Ao se envolver com Santiago, Marisa se submete a traições, descaso e desconsideração do noivo. Acreditando que isso se dava pelo fato de não poder ter filhos, e não pelo fato dele não amá-la, ela engravida novamente, esperando que assim haja o casamento.
O casamento, por óbvio, não acontece e novamente a personagem deve reviver um abandono em um período difícil.
Nada, nada, nada justifica o que a personagem faz. Ela priva o filho de seu pai, dá para adoção de forma ilegal e faz isso apenas para magoar o homem que a destroçou por completo. Horrível, mas não dá para não sentir empatia com ela.
Não é a toa que a novela optou por matá-la e oferecer a redenção da personagem. Manter Marisa viva e impune é inviável. Manter ela viva e prendê-la vai na contramão de tudo que a novela pregou. Acho que o final dela era inevitável.

Paulina
Paulina era uma linda até a novela estragar com ela no último capítulo.
Ex-esposa de Santiago, a vilã o abandonou porque queria viver em Nova York e esta vida não comportava um marido e uma filha bebê.
Quando ela volta, cansada de um amante obsessivo, sua missão é arruinar o casal principal e recuperar o ex-marido.
Acho interessante que a novela jamais apontou dedos para o fato de a personagem não querer maternar. O próprio ex-marido diz que ela não é má pessoa por ter deixado a filha, ela só tinha prioridades diferentes.
A vilania de Paulina é inteligente e não é associada a falta de maternagem. Pena que estragaram a personagem fazendo ela sequestrar um bebê, Isso foi completamente desnecessário.


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